sexta-feira, 19 de outubro de 2012

CRIANÇAS ABANDONADAS NO BRASIL: UM PROBLEMA SOCIAL OU POLÍTICO?


O artigo 227 da Constituição Federal do Brasil, de onde se originou o Estatuto da Criança e do Adolescente, diz na sua íntegra: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O artigo 227 da Constituição Federal do Brasil teve o peso de um milhão e meio de assinaturas a partir da emenda popular denominada “Criança, prioridade nacional”, liderada pelo Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e Pastoral do Menor, que mobilizou a sociedade brasileira de norte a sul, e que não deixou sombra de dúvida quanto ao anseio da população por mudanças e pela remoção daquilo que se tornou comum denominar entulho autoritário – que nessa área se identificava com o Código de Menores.

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é uma mudança pontual na legislação. Através dele, foi dado um novo enfoque à proteção integral, uma concepção sustentadora da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, em 20 de novembro de 1989.

Dura lex sed lex - A lei é dura mas é a lei. Que falácea! Para se compreender os elementos sociais e políticos envolvidos no processo de abandono de crianças no Brasil, basta entender que as leis brasileiras não são feitas para serem cumpridas e sim para serem compradas e desrespeitadas. E, com lastro na realidade, sem perspectivas de mudanças, e na frase de efeito “a criança é o futuro do país”, o que se dá a entender é que toda a nação brasileira está sendo aprisionada e sufocada por numa espécie de “areia movediça” da qual é impossível sair, pois, quanto mais se mexe, mais é puxada para o fundo.

Essa “areia movediça”, dentre outras afrontas, máxime, à dignidade humana e em se tratando de Brasil no delinear da história, é o descumprimento do Artigo 227 da Constituição Federal e de leis que, supostamente, serviriam para proteger a criança e o adolescente, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O tema tem sido tratado por muita gente boa. Muita coisa de prático já tem sido feita. Muitos especialistas, de todas as áreas têm dado valiosa contribuição para compreender e tentar resolver esse angustiante problema que se agiganta a cada dia que passa.

No entanto, o problema do menor abandonado tem sido tratado com a mesma superficialidade com que são tratados outros problemas. Existe, entre os brasileiros, uma verdadeira fobia pela análise profunda, seja do que for. Os brasileiros são superficiais em tudo e pretendem solucionar os problemas com mediadas paliativas. Como morcegos hematófagos: sugam o sangue depois sopram na ferida para aliviar e a vítima não sentir. Têm, como povo, até certo ponto, um pensamento mágico, coisa normal com crianças até 7 anos de idade.Não se pode negar que medidas paliativas podem ser úteis e até mesmo necessárias, mas jamais serão a solução.

É necessário que se faça uma análise corajosa e profunda das verdadeiras causas, mesmo que essa análise seja demorada e penosa. Tem-se que partir do princípio, que nenhum problema será resolvido antes que seja compreendido em toda sua extensão e profundidade. Esse problema não exclusivamente do governo, como a criminalidade, não é também um problema exclusivamente da polícia.

O menor abandonado é, antes de tudo, um problema de consciência. De consciência de quem gera filhos com menos responsabilidade do que os irracionais, pois eles só deixam de proteger seus filhos depois que estes têm condições de defesa e sobrevivência; de quem acumula bens materiais tirando o pão da boca de seu semelhante. Infelizmente, tem gente que engana a si próprio e aos outros com campanhas de Natal, com Dia da Crianças! Como se isso tivesse o poder de abafar a sua própria consciência e ludibriar para sempre aqueles a quem os impedem de serem homens. O homem não precisa receber esmolas de ninguém! Basta que não lhe tire o que ele mesmo pode produzir, exceção feita a todos os indivíduos deficientes físicos, deficientes mentais e alienados.

Inofurtunadamente, os brasileiros são um povo com duas mentalidades: de senhor de escravos e de escravos que tudo esperam de beneplácito do senhor. É um povo de costumes paternalistas. Haja vista que nenhuma modificação social partiu do povo. Todas, desde o início até hoje, partiram das elites, que sempre as adaptaram às suas conveniências. Os brasileiros são um povo sem cultura, onde o analfabetismo é um fato assustador. E assim tem que ser e será, enquanto o índice de deficientes mentais atingir cifras como hoje. Até hoje, no Brasil, tem-se feito uma assistência social de algibeira, isto é, dando esmolas para os mendigos. Depois que alguém desceu tanto na vida, nada pode ser feito de substancial em seu favor. É necessário que se faça em todas as comunidades, uma extraordinária comunhão de esforços junto com o governo, no sentido de compreender e erradicar as causas.

Tem que se evitar que nasçam crianças cujos pais não tenham ao menos a capacidade dos irracionais. É necessário que se esclareça aos homens e mulheres, maduros ou jovens, da responsabilidade do ato procriador. É preciso também que eles saibam que a prática de gerar filhos e entregá-los aos outros, na maioria das vezes desconhecidos, acaba por minar e deteriorar os sentimentos morais, conduzindo à insensibilidade e irresponsabilidade maior.

O problema são aqueles que nada fazem para evitar isto e mais aqueles que contribuem para aumentar a miséria material e moral dos seus semelhantes. É extremamente humano e meritório adotar crianças sem pais. Mas, esta prática não deixa de ter consequências nefastas do ponto de vista psicológico, quando os pais são vivos e rejeitam a paternidade e maternidade, pois se sabe que toda a criança rejeitada por seus pais sempre apresentará problemas. Rejeitar filhos é um ato afetivo bárbaro e mau, capaz de penetrar na vida psíquica da criança mesmo inconscientemente, gerando sérios distúrbios da vida afetiva e, por conseguinte, de comportamento.

A pretensão deste esboço não é pregar moral. Mas, o preocupante na problemática do menor abandonado no Brasil são as consequências psicológicas e sociais causadas pela rejeição dos filhos pelos pais. Nada no mundo compensará a ausência do amor dos pais! Mil vezes pior que o desquite, que o divorcio, que a separação dos pais é ser rejeitado por eles, pois que, separados, divorciados ou desquitados, os pais podem ainda amar, amparar, proteger e oferecer segurança material e afetiva a seus filhos. Já os pais, senhores muitas vezes respeitáveis ou mães desprotegidas, assustadas, renegadas pela família e pela sociedade, quando não assumem: afetiva, moral e materialmente a proteção dos filhos, criam a situação trágica do menor abandonado, futuro delinquente, que, como uma goela de lobo, acabará por devorar a própria sociedade de quem é vítima.

Em suma, a defesa da criança e do adolescente deve ser mais que um compromisso moral, social e permanente, pois paira acima das ideologias egoístas e está indissociavelmente ligada aos mais altos interesses nacionais, por ter como matéria-prima o futuro do país.
Autor: Abel Alves de Farias

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