O artigo 227 da Constituição Federal do
Brasil, de onde se originou o Estatuto da Criança e do Adolescente, diz na sua
íntegra: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão”.
O artigo 227 da Constituição Federal do
Brasil teve o peso de um milhão e meio de assinaturas a partir da emenda
popular denominada “Criança, prioridade nacional”, liderada pelo Movimento
Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR) e Pastoral do Menor, que
mobilizou a sociedade brasileira de norte a sul, e que não deixou sombra de
dúvida quanto ao anseio da população por mudanças e pela remoção daquilo que se
tornou comum denominar entulho
autoritário – que nessa área se identificava com o Código de Menores.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA,
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é uma mudança pontual na legislação.
Através dele, foi dado um novo enfoque à proteção integral, uma concepção
sustentadora da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela
Assembleia Geral da ONU, em 20 de novembro de 1989.
Dura lex sed lex - A lei
é dura mas é a lei. Que falácea! Para se compreender os elementos sociais
e políticos envolvidos no processo de abandono de crianças no Brasil, basta
entender que as leis brasileiras não são feitas para serem cumpridas e sim para
serem compradas e desrespeitadas. E, com lastro na realidade, sem perspectivas
de mudanças, e na frase de efeito “a criança é o futuro do país”, o que se dá a
entender é que toda a nação brasileira está sendo aprisionada e sufocada por
numa espécie de “areia movediça” da qual é impossível sair, pois, quanto mais
se mexe, mais é puxada para o fundo.
Essa “areia movediça”, dentre outras
afrontas, máxime, à dignidade humana e em se tratando de Brasil no delinear da
história, é o descumprimento do Artigo 227 da Constituição Federal e de leis
que, supostamente, serviriam para proteger a criança e o adolescente, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.
O tema tem sido tratado por muita gente boa.
Muita coisa de prático já tem sido feita. Muitos especialistas, de todas as
áreas têm dado valiosa contribuição para compreender e tentar resolver esse
angustiante problema que se agiganta a cada dia que passa.
No entanto, o problema do menor abandonado
tem sido tratado com a mesma superficialidade com que são tratados outros
problemas. Existe, entre os brasileiros, uma verdadeira fobia pela análise profunda,
seja do que for. Os brasileiros são superficiais em tudo e pretendem solucionar
os problemas com mediadas paliativas. Como morcegos hematófagos: sugam o sangue
depois sopram na ferida para aliviar e a vítima não sentir. Têm, como povo, até
certo ponto, um pensamento mágico, coisa normal com crianças até 7 anos de
idade.Não se pode negar que medidas paliativas podem ser úteis e até mesmo
necessárias, mas jamais serão a solução.
É necessário que se faça uma análise corajosa
e profunda das verdadeiras causas, mesmo que essa análise seja demorada e
penosa. Tem-se que partir do princípio, que nenhum problema será resolvido
antes que seja compreendido em toda sua extensão e profundidade. Esse problema
não exclusivamente do governo, como a criminalidade, não é também um problema
exclusivamente da polícia.
O menor abandonado é, antes de tudo, um problema
de consciência. De consciência de quem gera filhos com menos responsabilidade
do que os irracionais, pois eles só deixam de proteger seus filhos depois que
estes têm condições de defesa e sobrevivência; de quem acumula bens materiais
tirando o pão da boca de seu semelhante. Infelizmente, tem gente que engana a
si próprio e aos outros com campanhas de Natal, com Dia da Crianças! Como se
isso tivesse o poder de abafar a sua própria consciência e ludibriar para
sempre aqueles a quem os impedem de serem homens. O homem não precisa receber
esmolas de ninguém! Basta que não lhe tire o que ele mesmo pode produzir,
exceção feita a todos os indivíduos deficientes físicos, deficientes mentais e
alienados.
Inofurtunadamente, os brasileiros são um povo
com duas mentalidades: de senhor de escravos e de escravos que tudo esperam de
beneplácito do senhor. É um povo de costumes paternalistas. Haja vista que
nenhuma modificação social partiu do povo. Todas, desde o início até hoje,
partiram das elites, que sempre as adaptaram às suas conveniências. Os
brasileiros são um povo sem cultura, onde o analfabetismo é um fato assustador.
E assim tem que ser e será, enquanto o índice de deficientes mentais atingir
cifras como hoje. Até hoje, no Brasil, tem-se feito uma assistência social de
algibeira, isto é, dando esmolas para os mendigos. Depois que alguém desceu
tanto na vida, nada pode ser feito de substancial em seu favor. É necessário
que se faça em todas as comunidades, uma extraordinária comunhão de esforços
junto com o governo, no sentido de compreender e erradicar as causas.
Tem que se evitar que nasçam crianças cujos
pais não tenham ao menos a capacidade dos irracionais. É necessário que se
esclareça aos homens e mulheres, maduros ou jovens, da responsabilidade do ato
procriador. É preciso também que eles saibam que a prática de gerar filhos e
entregá-los aos outros, na maioria das vezes desconhecidos, acaba por minar e
deteriorar os sentimentos morais, conduzindo à insensibilidade e
irresponsabilidade maior.
O problema são aqueles que nada fazem para
evitar isto e mais aqueles que contribuem para aumentar a miséria material e
moral dos seus semelhantes. É extremamente humano e meritório adotar crianças
sem pais. Mas, esta prática não deixa de ter consequências nefastas do ponto de
vista psicológico, quando os pais são vivos e rejeitam a paternidade e
maternidade, pois se sabe que toda a criança rejeitada por seus pais sempre
apresentará problemas. Rejeitar filhos é um ato afetivo bárbaro e mau, capaz de
penetrar na vida psíquica da criança mesmo inconscientemente, gerando sérios
distúrbios da vida afetiva e, por conseguinte, de comportamento.
A pretensão deste esboço não é pregar moral.
Mas, o preocupante na problemática do menor abandonado no Brasil são as
consequências psicológicas e sociais causadas pela rejeição dos filhos pelos
pais. Nada no mundo compensará a ausência do amor dos pais! Mil vezes pior que
o desquite, que o divorcio, que a separação dos pais é ser rejeitado por eles,
pois que, separados, divorciados ou desquitados, os pais podem ainda amar,
amparar, proteger e oferecer segurança material e afetiva a seus filhos. Já os
pais, senhores muitas vezes respeitáveis ou mães desprotegidas, assustadas,
renegadas pela família e pela sociedade, quando não assumem: afetiva, moral e
materialmente a proteção dos filhos, criam a situação trágica do menor
abandonado, futuro delinquente, que, como uma goela de lobo, acabará por
devorar a própria sociedade de quem é vítima.
Em suma, a defesa da criança e do adolescente
deve ser mais que um compromisso moral, social e permanente, pois paira acima
das ideologias egoístas e está indissociavelmente ligada aos mais altos
interesses nacionais, por ter como matéria-prima o futuro do país.
Autor: Abel Alves de Farias
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