O Papa Francisco desembarca nesta
segunda-feira (29) no aeroporto Ciampino, em Roma (Alessandro Bianchi/Reuters).
O papa Francisco concedeu uma
longa entrevista durante o voo de volta a Roma. O pontífice conversou com os
jornalistas por uma hora e vinte e dois minutos, em pé. Francisco fez um
balanço da viagem ao Brasil e surpreendeu ao tocar em temas delicados, como a
reforma da Cúria Romana, o lobby gay e a evasão de fiéis. E, claro,
falou de suas impressões sobre o Brasil.
"Boa noite. Foi uma bela
viagem, mas estou bastante cansado", disse o papa aos jornalistas.
"A bondade e o coração do povo brasileiro são muito grandes. Esse
povo é tão amável, é uma festa. No sofrimento (o povo) sempre acha um
caminho para fazer o bem em alguma parte. É um povo alegre, um povo que sofreu
tanto. É corajosa a vida dos brasileiros, eles têm um grande
coração."
Respondendo a uma pergunta sobre lobby gay no
Vaticano, Francisco disse: "Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa
vontade, quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja
católica explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas
integrados à sociedade".
Francisco também falou sobre a
segurança durante a Jornada Mundial da Juventude. "Não houve um incidente
em todo o Rio de Janeiro. Foi super espontâneo. Eu pude estar com as pessoas,
saudá-las, sem carro blindado. A segurança é a confiança de um povo. Eu
prefiro esta loucura, é uma aproximação. "
O papa fez
elogios à organização da JMJ: "A parte artística, a parte
religiosa, de música, foi muito bonita. Ontem, por exemplo, fizeram coisas
belíssimas. Aparecida para mim foi uma experiência forte, maravilhosa. Quando
estive lá durante a conferência, lembro que queria ter ido sozinho, escondido,
mas não era possível. Depois, o numero de jovens. Hoje o governador falou
de 3 milhões. Não posso acreditar. Mas é verdade, não sei se viram. Do púlpito
até o final, toda praia estava cheia, até onde fazia a curva. Havia tantos
jovens!"
Confira abaixo trechos
da entrevista concedida por Francisco durante o voo de volta a Roma.
Nestes quatro meses, o senhor
criou várias comissões no Vaticano. Que tipo de reforma tem em mente? O senhor
quer suprimir o Instituto para as Obras de Religião, o IOR [mais conhecido
como Banco do Vaticano]? Alguns acham melhor que seja um banco, outros que
sejam um fundo, uma instituição de ajuda. Eu não sei. Eu confio no trabalho das
pessoas que estão se dedicando a isso. O presidente do IOR permanece, o
tesoureiro também, enquanto o diretor e o vice-diretor pediram demissão. Não
sei como vai terminar essa história. E isso é bom. Não somos máquinas. Temos de
achar o melhor. Seja a instituição que for, precisa ter transparência e
honestidade.
Recentemente, o monsenhor
Battista Ricca, um dos diretores do IOR, o Banco do Vaticano, foi acusado de
pertencer ao lobby gay. Como o senhor pretende enfrentar esta questão? Sobre monsenhor Ricca, fiz o que
o direito canônico manda fazer, que é a investigação prévia. Nessa
investigação, não há nada do que o acusam. Não achamos nada. Essa é a minha
resposta. Mas eu gostaria de dizer outra coisa sobre isso. Vejo que muitas
vezes se buscam os pecados de juventude de quem está na Igreja. Abuso de
menores é diferente, não é disso que estou falando. Mas, se uma pessoa, seja
laica, padre ou freira, pecou e esconde, o Senhor perdoa. Quando o Senhor
perdoa, o Senhor esquece. E isso é importante para a nossa vida. Quando vamos
confessar e dizemos que pecamos, o Senhor esquece e nós não temos o direito de não
esquecer. Isso é um perigo. O que é importante é uma teologia do pecado.
Quantas vezes penso em São Pedro, que cometeu tantos pecados e venerava Cristo.
E esse pecador foi transformado em papa. A imprensa tem escrito muita coisa
sobre o lobby gay. Eu ainda não vi ninguém com uma carteira de identidade do
Vaticano dizendo "sou gay". Dizem que há alguns. Acho que devemos
distinguir entre o fato de ser gay e fazer lobby gay. Porque nenhum lobbys é
bom. Isso é o que é ruim. Se uma pessoa é gay e procura Deus e tem boa vontade,
quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja católica
explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas
integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser
como irmãos. O problema é fazer lobby: o lobby dos avaros, o lobby dos
políticos, o lobby dos maçons, tantos lobbys. Esse é o pior problema.
O senhor enfrenta muitas
resistências na Cúria? Se há resistência, eu ainda não vi. É verdade que aconteceram muitas
coisas. Mas eu preciso dizer: encontrei ajuda, encontrei pessoas leais.
Na viagem o senhor não falou
sobre aborto, nem sobre a posição do Vaticano em relação ao casamento entre
pessoas do mesmo sexo. No Brasil foram aprovadas leis que ampliam os direitos
para esses casamentos. Por que o senhor não tratou desses assuntos? A Igreja já se expressou
perfeitamente sobre isso. Não era necessário falar sobre esses temas. Eu também
não falei sobre roubo, ou sobre a mentira. Em relação ao aborto, a Igreja
tem uma doutrina clara. Os jovens sabem perfeitamente qual a posição da
Igreja. Queria uma fala positiva no Brasil, que abre caminho aos
jovens.
Por que o senhor carrega a sua
própria mala e o que leva dentro? Não tinha a chave da bomba atômica dentro da
mala... Eu sempre fiz isso. Quando viajo, levo minhas coisas. Tenho um
barbeador, o livro da Liturgia das Horas, uma agenda e um livro para
ler. O livro é sobre Santa Terezinha. Sou devoto de Santa Terezinha. Eu sempre
carreguei minha maleta. Acho isso absolutamente normal.
Por que pede tanto para que rezem
pelo senhor ? Não é habitual ouvir de um papa que peça que rezem por ele. Sempre pedi isso. Quanto era
padre, pedia, mas nem tanto e nem tão frequentemente. Comecei a pedir mais
quando passei a ser bispo. Preciso da ajuda do Senhor. Eu, de verdade, me sinto
com tantos limites, tantos problemas, e também sou pecador. Peço a Nossa
Senhora que reze por mim. É um hábito, mas que vem da necessidade. Eu sinto que
devo pedir.
O senhor tem um calendário definido para o próximo
ano? Em
outubro devo ir a Assis. Fora da Itália, quero ir a Israel. O governo
israelense fez um convite para que eu vá a Jerusalém. O da Palestina também.
Tenho ainda um convite para ir a Fátima.
Às vezes, o senhor se sente
aprisionado no Vaticano? Eu gostaria de poder andar pelas ruas de Roma. Eu era um padre da rua.
Os seguranças do Vaticano têm sido bons comigo. Agora, me deixaram fazer
algumas coisas a mais. Mas entendo que não posso andar pelas ruas.
O Brasil esta perdendo muitos
fiéis. O senhor acha que o movimento carismático pode ser uma forma de impedir
a fuga dos católicos para os pentecostais? Exatamente. Conversei ontem com os bispos sobre o
problema da evasão de fiéis. Vou lhes contar uma história: nos anos 70 e 80, eu
não podia nem ver os representantes do movimento carismático. Certa vez,
cheguei a afirmar que eles confundiam celebração litúrgica com escola de samba.
Agora, acho que este movimento faz bem para a Igreja. Neste momento da Igreja,
acho que são necessários, uma graça do Espírito Santo. E digo mais: não servem
apenas para evitar a fuga de fiéis, mas são importantíssimos para a própria
Igreja.
Qual sua relação de trabalho com
Bento XVI ? É como
ter um avô em casa, em meio a uma família. Um avô venerado.
O senhor falou de misericórdia. A
Igreja não deveria ter misericórdia com os casais divorciados e que se casam
novamente? Um dos
temas que deverão ser discutidos na comissão de oito cardeais que criei há
alguns meses é como ir adiante na pastoral matrimonial. Esse será um dos
assuntos do próximo sínodo.
O papel das mulheres na Igreja
pode mudar? A questão
da ordenação das mulheres é um assunto de portas fechadas. A Igreja diz não. No
entanto, acredito que a mulher deve ter papéis mais importantes na
Igreja. Uma Igreja sem as mulheres é como o Colégio Apostólico sem Maria.
A mulher ajuda a Igreja a crescer. E pensar que Nossa Senhora é mais
importante do que os apóstolos! Até agora, no entanto, não fizemos uma teologia
profunda sobre a mulher. Há as mulheres que fazem a leitura, que são presidentes
da Cáritas. Mas há mais o que fazer. É necessário fazer uma profunda
teologia da mulher.
O senhor se assustou quando viu o
informe do Vatileaks? O problema é grande, mas não estou assustado.
Como papa, o senhor ainda pensa
como um jesuíta? É uma
pergunta teológica. Os jesuítas fazem votos de obedecer ao papa. Mas se o papa
se torna um jesuíta, talvez deva fazer votos gerais dos jesuítas. Eu me sinto
jesuíta na minha espiritualidade, a que tenho no coração. Dentro de três dias
vou festejar com os jesuítas Santo Inácio, numa missa. Não mudei de
espiritualidade. Sou Francisco franciscano. Sinto-me jesuíta e penso como
jesuíta.
Em quatro meses de Pontificado,
pode fazer um pequeno balanço e dizer o que foi o pior e o melhor de ser
papa? O que mais o surpreendeu nesse período? Não sei como responder a isso, de
verdade. Coisas ruins não aconteceram. Coisas belas, sim. Por exemplo, o
encontro com os bispos italianos foi lindo. O encontro com os seminaristas foi
belíssimo, e também com os alunos do colégio jesuíta. Uma coisa dolorosa foi a
visita a Lampedusa. Fez-me chorar, porque penso que os imigrantes, que chegam
de barco, são vítimas do sistema socioeconômico mundial. Mas a coisa pior foi
uma dor no ciático. Sofri disso no primeiro mês. É verdade! Era dolorosíssimo,
não desejo a ninguém.
O senhor devera canonizar ate o
fim do ano os papas João 23 e João Paulo II. Qual é a diferença de santidade
entre os dois? Estamos
pensando em adiar a cerimônia de canonização. É difícil para os poloneses irem
a Roma nessa época do ano. Faz muito frio.
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