Em conversas esporádicas com várias
pessoas, percebe-se que todas são unânimes num mesmo pensamento: as famílias
brasileiras estão sujeitas ao endividamento quando o país deixa de crescer
economicamente e o mercado de trabalho sofre uma redução na oferta de emprego.
Outro fato apontado são os juros dos bancos em declínio, facilidade no
financiamento em várias parcelas, o ascendente incremento da oferta de créditos
e não se esquecendo do efeito moral e psicológico do que causa o consumismo de
querer sempre mais. Estas situações apontadas são verdadeiras “armadilhas”,
para nossa família brasileira, com a intenção de “empurrá-las” para serem mal
credores e alimentadores de uma classe social que enriquece cada vez mais com o
recebimento do pagamento dos juros abusivos.
Por detrás do
recente período de crescimento econômico no país, cresce um monstro, escondido
no seio da maioria das famílias brasileiras. É o monstro do endividamento.
Pesquisa do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, realizada em
agosto, mostra que a maior parte das famílias brasileiras, ou 54%, tem dívida,
cujo valor médio supera R$5.400. Dessas, 37,8% disseram que simplesmente não
têm como pagar as contas.
Esses dados
fazem parte da pesquisa que traçou o Índice de Expectativa das Famílias (IEF),
captado pelo instituto através de entrevistas realizadas com 3.810 famílias em
214 cidades. A pesquisa busca captar a expectativa das famílias em relação à
economia e mostra que, embora grande parte das pessoas tenha percebido uma melhora
na vida no último período e mostre certo otimismo em relação ao futuro, tal
sentimento se ampara sobre um nível crescente de endividamento.
A pesquisa
aponta que somente 22,8% das famílias esperam pagar totalmente suas dívidas. O
resto espera pagar parte dela, ou avalia que simplesmente não terá condições de
pagar. Ou seja, 74,5% das famílias não têm a expectativa de pagar todas as suas
contas.
Das famílias
endividadas, 23% têm uma dívida superior a 5 vezes o valor de sua renda mensal.
Na região Norte a situação das famílias é ainda mais precária. Mais da metade,
ou 53%, afirmam que não vão quitar suas dívidas. No Nordeste esse índice é
também altíssimo, de 46,9%.
Bomba relógio.
A pesquisa do Ipea e o alto grau do endividamento das
famílias ajudam a entender não só o atual crescimento, baseado no consumo, como
parte da enorme popularidade do governo Lula e da percepção de que a vida
melhorou. A facilidade de se contrair crédito possibilitou o acesso de milhões
a bens de consumo que antes eram bastante restritos. Com isso, as pessoas foram
levadas a pensar que a vida de fato melhorou.
O emprego, os
serviços públicos essenciais como Saúde e Educação, e os salários, porém, não
melhoraram. Foi divulgado recentemente os dados da Pnad 2009 (Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios). Segundo a pesquisa anual do IBGE, a renda média do
trabalhador era de R$ 1.106 no ano passado. Só para se ter uma ideia, em 1996
era de R$ 1.144 e em 1986, de R$ 1.238. Ou seja, visto sob uma perspectiva mais
ampla, os salários estão diminuindo e o povo está ficando mais pobre, apesar do
acesso ao consumo criar a ilusão de que ocorre o contrário.
O
endividamento das famílias, desta forma, pode lentamente se tornar uma
verdadeira bomba relógio, pronta a explodir diante do acirramento da crise
econômica internacional. O próprio Ipea alerta que ”com as elevadíssimas taxas de juros ao consumidor praticadas no Brasil
há muitos anos, não seria descabido temer pelo risco de inadimplência”.
Com o aumento do desemprego, tal tendência seria incontrolável.
A última Pnad
mostrou que em 2009 a crise no Brasil produziu 1,3 milhão de novos
desempregados. Ou seja, apesar do discurso do governo e de grande parte da
mídia, a economia do país continua vulnerável aos solavancos da crise. E os
ventos que sopram da Europa dão apenas uma mostra do que está por vir.
O endividamento da família brasileira
tem sido um tema recorrente na mídia nos últimos anos, onde frequentemente são
produzidas reportagens sobre as situações de inadimplência. Cabe lembrar que o
incentivo às compras, a inclusão de novas classes sociais na sociedade de
consumo, a facilidade de crédito, a redução de taxas em muitos bens duráveis, a
manutenção da geração de emprego e a confiança dos cidadãos na economia,
provocam uma movimentação das pessoas em direção à aquisição de bens e
serviços. Em princípio, os motivos acima descritos não são causa direta de
inadimplência. O que preocupa é quando as famílias não são prudentes na hora do
planejamento das compras, comprometendo sua renda mais do que seria possível ou
recomendável. De acordo com dados coletados pelo SPC Brasil (Serviço de
Proteção ao Crédito) e pela CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas),
a inadimplência do consumidor brasileiro registrou queda de 0,27% em junho de
2012, na comparação com o mesmo mês de 2011. Na avaliação do SPC Brasil, a
baixa na inadimplência é um indicador de que parte das famílias está
conseguindo pagar em dia suas contas. As estatísticas do SPC referem-se às
vendas a prazo, considerando-se compras feitas com cheque ou no crediário.
Porém, em junho também houve decréscimo nas exclusões dos registros, de 1,1% em
relação ao mesmo mês de 2011, o que indica que muitos brasileiros continuam com
dificuldades para pagar as dívidas vencidas que levaram a inclusão nos
registros do SPC.
Um importante fator a considerar, e
que tem levado ao endividamento de muitas famílias, é a tentação causada pela
facilidade do uso do cartão de crédito. Ao lado do cheque especial, o cartão de
crédito tem sido um “companheiro” quase que inseparável dos brasileiros
endividados. No caso do cartão de crédito, onde poucas empresas atuam no
mercado, os juros altíssimos do rotativo, quando o consumidor não consegue
pagar integralmente a fatura, deixando um saldo para os meses seguintes, é
criado um círculo vicioso quase impossível de sair. Para exemplificar, se o
cidadão não consegue pagar integralmente sua dívida no cartão, no final de 12
meses esta dívida praticamente triplica, agravando a dificuldade de pagá-la, fazendo
crescer a inadimplência.
O endividamento das famílias, e que
acaba gerando a inadimplência não é somente prejudicial a quem deve. O
crescimento da inadimplência prejudica a expansão do crédito, pois o risco de
quem concede o crédito, seja lojista ou instituição bancária, aumenta e,
naturalmente, são tomadas medidas cada vez mais severas para evitar o “calote”
dos devedores, restringindo-se e limitando-se a concessão de crédito.
Recentemente, uma medida incentivada
pelo governo, a de reduzir os juros bancários, sinalizou também, além de menos
sufoco para os cidadãos, a possibilidade de diminuição da inadimplência, pois
quanto menores os juros, maiores as condições de serem honradas as dívidas. No
entanto, acreditamos que uma medida simples e que pode ser exercitada por
qualquer cidadão ou família, pode ajudar em muito na redução do endividamento.
Trata-se de um bem elaborado orçamento doméstico, com clara descrição do quadro
de receitas e despesas. Esta ação não requer planilhas eletrônicas, altamente
elaboradas. Basta anotar até num papel, o que se ganha, o que é preciso
desembolsar com os gastos fixos e com os gastos novos ou extras, e estabelecer
as prioridades para não comprometer a renda.
Hoje, muitas instituições, inclusive
ligadas aos bancos, sem esquecer escolas, estão priorizando a divulgação e a
necessidade da educação financeira. Desde a infância, é preciso incentivar o
controle e planejamento financeiro, pois esta atitude impede que sonhos se
transformem em pesadelos.
A sociedade contemporânea tem como principal
característica a cultura de consumo, a partir da qual as pessoas associam
felicidade e status com o ato de adquirir bens ou serviços.
O que possibilita o consumo de bens é o acesso ao
crédito, disseminado no Brasil nos últimos anos, entre a população de baixa
renda, especialmente, nas modalidades de crédito consignado e financiamento
para aquisição de bens. Se por um lado o acesso ao crédito viabiliza o consumo,
por outro compromete a renda de quem o toma, podendo conduzi-lo a uma situação
de endividamento.
O endividamento é um reflexo da sociedade de consumo e
se caracteriza como um problema de ordem social e não individual, que afeta consumidores
e fornecedores (especialmente os comerciantes) em prol de um pequeno grupo de
fornecedores de crédito. No Brasil, esse fenômeno não tem, ainda, tratamento
jurídico específico.
Abel Alves
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