sexta-feira, 16 de novembro de 2012

ENDIVIDAMENTO DAS FAMÍLIAS BRASILEIRAS


Em conversas esporádicas com várias pessoas, percebe-se que todas são unânimes num mesmo pensamento: as famílias brasileiras estão sujeitas ao endividamento quando o país deixa de crescer economicamente e o mercado de trabalho sofre uma redução na oferta de emprego. Outro fato apontado são os juros dos bancos em declínio, facilidade no financiamento em várias parcelas, o ascendente incremento da oferta de créditos e não se esquecendo do efeito moral e psicológico do que causa o consumismo de querer sempre mais. Estas situações apontadas são verdadeiras “armadilhas”, para nossa família brasileira, com a intenção de “empurrá-las” para serem mal credores e alimentadores de uma classe social que enriquece cada vez mais com o recebimento do pagamento dos juros abusivos.
Por detrás do recente período de crescimento econômico no país, cresce um monstro, escondido no seio da maioria das famílias brasileiras. É o monstro do endividamento. Pesquisa do Ipea, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, realizada em agosto, mostra que a maior parte das famílias brasileiras, ou 54%, tem dívida, cujo valor médio supera R$5.400. Dessas, 37,8% disseram que simplesmente não têm como pagar as contas.
Esses dados fazem parte da pesquisa que traçou o Índice de Expectativa das Famílias (IEF), captado pelo instituto através de entrevistas realizadas com 3.810 famílias em 214 cidades. A pesquisa busca captar a expectativa das famílias em relação à economia e mostra que, embora grande parte das pessoas tenha percebido uma melhora na vida no último período e mostre certo otimismo em relação ao futuro, tal sentimento se ampara sobre um nível crescente de endividamento.
A pesquisa aponta que somente 22,8% das famílias esperam pagar totalmente suas dívidas. O resto espera pagar parte dela, ou avalia que simplesmente não terá condições de pagar. Ou seja, 74,5% das famílias não têm a expectativa de pagar todas as suas contas.
Das famílias endividadas, 23% têm uma dívida superior a 5 vezes o valor de sua renda mensal. Na região Norte a situação das famílias é ainda mais precária. Mais da metade, ou 53%, afirmam que não vão quitar suas dívidas. No Nordeste esse índice é também altíssimo, de 46,9%.
Bomba relógio. A pesquisa do Ipea e o alto grau do endividamento das famílias ajudam a entender não só o atual crescimento, baseado no consumo, como parte da enorme popularidade do governo Lula e da percepção de que a vida melhorou. A facilidade de se contrair crédito possibilitou o acesso de milhões a bens de consumo que antes eram bastante restritos. Com isso, as pessoas foram levadas a pensar que a vida de fato melhorou.
O emprego, os serviços públicos essenciais como Saúde e Educação, e os salários, porém, não melhoraram. Foi divulgado recentemente os dados da Pnad 2009 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios). Segundo a pesquisa anual do IBGE, a renda média do trabalhador era de R$ 1.106 no ano passado. Só para se ter uma ideia, em 1996 era de R$ 1.144 e em 1986, de R$ 1.238. Ou seja, visto sob uma perspectiva mais ampla, os salários estão diminuindo e o povo está ficando mais pobre, apesar do acesso ao consumo criar a ilusão de que ocorre o contrário.
O endividamento das famílias, desta forma, pode lentamente se tornar uma verdadeira bomba relógio, pronta a explodir diante do acirramento da crise econômica internacional. O próprio Ipea alerta que ”com as elevadíssimas taxas de juros ao consumidor praticadas no Brasil há muitos anos, não seria descabido temer pelo risco de inadimplência”. Com o aumento do desemprego, tal tendência seria incontrolável.
A última Pnad mostrou que em 2009 a crise no Brasil produziu 1,3 milhão de novos desempregados. Ou seja, apesar do discurso do governo e de grande parte da mídia, a economia do país continua vulnerável aos solavancos da crise. E os ventos que sopram da Europa dão apenas uma mostra do que está por vir.
O endividamento da família brasileira tem sido um tema recorrente na mídia nos últimos anos, onde frequentemente são produzidas reportagens sobre as situações de inadimplência. Cabe lembrar que o incentivo às compras, a inclusão de novas classes sociais na sociedade de consumo, a facilidade de crédito, a redução de taxas em muitos bens duráveis, a manutenção da geração de emprego e a confiança dos cidadãos na economia, provocam uma movimentação das pessoas em direção à aquisição de bens e serviços. Em princípio, os motivos acima descritos não são causa direta de inadimplência. O que preocupa é quando as famílias não são prudentes na hora do planejamento das compras, comprometendo sua renda mais do que seria possível ou recomendável. De acordo com dados coletados pelo SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e pela CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), a inadimplência do consumidor brasileiro registrou queda de 0,27% em junho de 2012, na comparação com o mesmo mês de 2011. Na avaliação do SPC Brasil, a baixa na inadimplência é um indicador de que parte das famílias está conseguindo pagar em dia suas contas. As estatísticas do SPC referem-se às vendas a prazo, considerando-se compras feitas com cheque ou no crediário. Porém, em junho também houve decréscimo nas exclusões dos registros, de 1,1% em relação ao mesmo mês de 2011, o que indica que muitos brasileiros continuam com dificuldades para pagar as dívidas vencidas que levaram a inclusão nos registros do SPC.
Um importante fator a considerar, e que tem levado ao endividamento de muitas famílias, é a tentação causada pela facilidade do uso do cartão de crédito. Ao lado do cheque especial, o cartão de crédito tem sido um “companheiro” quase que inseparável dos brasileiros endividados. No caso do cartão de crédito, onde poucas empresas atuam no mercado, os juros altíssimos do rotativo, quando o consumidor não consegue pagar integralmente a fatura, deixando um saldo para os meses seguintes, é criado um círculo vicioso quase impossível de sair. Para exemplificar, se o cidadão não consegue pagar integralmente sua dívida no cartão, no final de 12 meses esta dívida praticamente triplica, agravando a dificuldade de pagá-la, fazendo crescer a inadimplência.
O endividamento das famílias, e que acaba gerando a inadimplência não é somente prejudicial a quem deve. O crescimento da inadimplência prejudica a expansão do crédito, pois o risco de quem concede o crédito, seja lojista ou instituição bancária, aumenta e, naturalmente, são tomadas medidas cada vez mais severas para evitar o “calote” dos devedores, restringindo-se e limitando-se a concessão de crédito.
Recentemente, uma medida incentivada pelo governo, a de reduzir os juros bancários, sinalizou também, além de menos sufoco para os cidadãos, a possibilidade de diminuição da inadimplência, pois quanto menores os juros, maiores as condições de serem honradas as dívidas. No entanto, acreditamos que uma medida simples e que pode ser exercitada por qualquer cidadão ou família, pode ajudar em muito na redução do endividamento. Trata-se de um bem elaborado orçamento doméstico, com clara descrição do quadro de receitas e despesas. Esta ação não requer planilhas eletrônicas, altamente elaboradas. Basta anotar até num papel, o que se ganha, o que é preciso desembolsar com os gastos fixos e com os gastos novos ou extras, e estabelecer as prioridades para não comprometer a renda.
Hoje, muitas instituições, inclusive ligadas aos bancos, sem esquecer escolas, estão priorizando a divulgação e a necessidade da educação financeira. Desde a infância, é preciso incentivar o controle e planejamento financeiro, pois esta atitude impede que sonhos se transformem em pesadelos.
A sociedade contemporânea tem como principal característica a cultura de consumo, a partir da qual as pessoas associam felicidade e status com o ato de adquirir bens ou serviços.
O que possibilita o consumo de bens é o acesso ao crédito, disseminado no Brasil nos últimos anos, entre a população de baixa renda, especialmente, nas modalidades de crédito consignado e financiamento para aquisição de bens. Se por um lado o acesso ao crédito viabiliza o consumo, por outro compromete a renda de quem o toma, podendo conduzi-lo a uma situação de endividamento.
O endividamento é um reflexo da sociedade de consumo e se caracteriza como um problema de ordem social e não individual, que afeta consumidores e fornecedores (especialmente os comerciantes) em prol de um pequeno grupo de fornecedores de crédito. No Brasil, esse fenômeno não tem, ainda, tratamento jurídico específico.

Abel Alves

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