O uso do crack é um
problema social não restrito apenas às metrópoles. Os primeiros relatos sobre o
consumo de crack no Brasil surgiram em 1989, entre crianças que viviam nas ruas
do centro de São Paulo, um ano antes da primeira apreensão da droga feita pela
polícia na cidade. Vinte anos depois do começo da epidemia em São Paulo, o
crack migrou para os demais Estados da Federação e o mercado da droga se
consolidou em todas as cidades onde existam pessoas com muito, com pouco
dinheiro, mas com muita disposição para serem transformadas em lixo social,
devido a ser uma droga muito barata.
O crack é uma
substância psicoativa euforizante, estimulante, preparada à base da mistura da
pasta de cocaína com bicarbonato de sódio. Para a obtenção das pedras de crack
também são misturadas à cocaína diversas substâncias tóxicas como gasolina,
querosene e até fluido de bateria. A pedra de crack não é solúvel em água e,
por isto, não pode ser injetada na veia. Ela é fumada em cachimbos, tubos de
PVC ou aquecida em latinhas de refrigerante, cerveja ou similares. Após ser
aquecida em temperatura média de 95°C, passa do estado sólido ao de vapor.
Quando queimada produz o ruído que lhe deu o nome. Pode ser misturada com
maconha e fumada junta.
A droga de uma droga
ainda mais devastadora que a droga do crack é a merla, também conhecida como
mela, mel ou melado, preparada de forma diversa do crack, apresenta-se sob a
forma de uma base e também é fumada. Utilizada predominantemente no Distrito
Federal, a merla é extremamente tóxica e acarreta sérias complicações médicas.
Ao ser fumado, o
crack é absorvido pelo pulmão e chega ao cérebro em menos de 10 segundos. Após
a “pipada” (ato de inalar a fumaça), o usuário sente grande prazer, intensa
euforia, sensação de poder, excitação, hiperatividade, insônia, perda de
sensação de cansaço e falta de apetite. O uso passa a ser compulsivo, pois o
efeito dura apenas de 5 a 10 minutos e a “fissura” (vontade) em usar novamente
a droga torna-se incontrolável. Segue-se repentina e profunda depressão e surge
desejo intenso de uso repentino e imediato. Assim, serão usadas muitas pedras
em seguida para manter o efeito estimulante.
Por ser fumado, o
crack se expande pela grande área da superfície do pulmão e é absorvido em
grande pela circulação sanguínea. O efeito é rápido e potente; porém, passa
depressa, o que leva ao consumo desenfreado.
As consequências
físicas do uso do crack em médio e longo prazo são danos ao pulmão, associados
a fortes dores no peito, asma e bronquite; aumento da temperatura corporal com
risco de causar acidente vascular cerebral; destruição de células cerebrais,
neurônios, e degeneração muscular, o que confere aquela aparência esquelética
ao usuário frequente, inibição da fome e insônia severa.
Além disso, os
materiais utilizados para a confecção dos cachimbos são, muitas vezes,
coletados na rua ou no lixo e apresentam iminente risco de contaminação
infecciosa, gerando potencial elevação dos níveis de alumínio no sangue, de
modo a aumentar os danos no sistema nervoso central. Também são comuns
queimaduras labiais, no nariz e nos dedos dos usuários.
Já as consequências
psicológicas do uso do crack em médio e longo prazo são, dentre outras, fácil
dependência após uso inicial, grande desconforto durante abstinência gerando
depressão, ansiedade e agressividade contra terceiros. Há a diminuição do
interesse sexual. Como a necessidade não tem lei, a necessidade do uso frequente
acarreta delitos, para a obtenção de dinheiro, venda de bens pessoais e
familiares, e até prostituição da forma mais degradante como, por exemplo, em
muitas vezes, usuários se disponibilizam à prática do sexo oral em terceiros em
troca de pedras de crack, tudo para sustentar o vício. A promiscuidade leva a
grave risco de se contrair AIDS e outras DSTs (Doenças Sexualmente
Transmissíveis). O usuário apresenta, com frequência, atitudes bizarras devido
ao aparecimento de paranóia (“nóia”), colocando em risco a própria vida e a dos
outros.
As consequências
sociais do uso do crack em médio e longo prazo são, dentre outras, o abandono
do trabalho, dos estudos ou de qualquer outro interesse que não seja a droga, o
crack; deterioração das relações familiares, com violência doméstica e
frequente abandono do lar; grande possibilidade de envolvimento com
criminalidade. A ruptura ou a fragilização das redes de relação social,
familiar e de trabalho normalmente leva ao aumento da estigmatização do
usuário, agravando sua exclusão social. Também é comum que usuários de crack
matem e sejam mortos em função do vício.
Por muito tempo, a
dependência química do uso do crack foi considerada uma doença social
masculina; aspectos sociais e culturais propiciavam mais acesso masculino às
drogas e levavam a crer que eles seriam mais suscetíveis. No entanto,
atualmente o consumo de substâncias ilícitas e álcool é indiscriminado
mulheres, homens adultos e adolescentes. No caso do cigarro e do crack,
implicam-se no uso até mesmo de crianças de várias idades.
Também se acreditava
anteriormente que seu uso era mais intenso nas classes de baixa renda, porém,
hoje, a utilização do crack já ocorre em todas as classes sociais. As
populações mais vulneráveis, entre elas, moradores de rua, crianças e
adolescentes constituem importante grupo de risco. Destarte, os sinais para
reconhecimento do uso de crack são:
Ø
Abandono
de interesses sociais não ligados ao consumo e compra de drogas;
Ø
Mudança
de companhias e de amigos não ligados ao consumo de entorpecentes e drogas
afins;
Ø
Visível
mudança física, perda de pelos, pele ressecada, envelhecimento precoce;
Ø
Comportamento
deprimido, cansaço, descuido na aparência, irritação e agressividade com
terceiros por palavras e atitudes;
Ø
Dificuldades
ou abandono escolar, perda de interesse pelo trabalho ou hábitos anteriores ao
uso do crack;
Ø
Mudança
de hábitos alimentares, falta de apetite, emagrecimento e insônia severa;
Ø
Atitudes
suspeitas, como telefonar para pessoas desconhecidas dos familiares com
frequência e “sumir de casa” constantemente sem avisar;
Ø
Extorsão
de dinheiro da família com ferocidade;
Ø
Mentiras
freqüentes, recusa em explicar mudança de hábitos ou comportamentos
inadequados.
O uso do crack pode
ser associado ao uso de outras drogas. É comum que usuários de crack precisem
de outras substâncias psicoativas no período das chamadas “brisas”, ou seja, no
período imediatamente após o uso do crack. Nesse momento, acabando o efeito
estimulante, há grande mal-estar, podendo ser usados álcool, maconha ou outras
substâncias para redução dessa péssima sensação.
O sofrimento psíquico
de corrente do uso do crack induz o usuário a múltiplas dependências.
Em consonância com a
tragedia pessoal de cada um, há atitudes que podem agravar ainda mais a
situação do usuário de crack como, por exemplo, no início do uso da droga, o
indivíduo ilude-se, imaginando que “com ele vai ser diferente”. Que “não vai se
tornar um viciado”. Mesmo quando progride para a dependência, continua
acreditando que “para quando quiser” e não percebe que, na realidade, não quer
parar nunca. Pelo contrário, quer sempre mais e mais mergulhar no abismo sem
fundo do crack.
A atitude de negação
da doença por parte da família também é muito nociva. A família não deve
sustentar mentiras para si mesma, “amenizando” a gravidade da situação e
acreditando que o usuário deixará de usar o crack com o tempo ou sem ajuda de
terceiros.
Pessoas que são
dependentes de álcool ou tabaco, apesar de serem drogas lícitas, devem entender
que, para criticar o outro por se tornar dependente do crack, precisa antes
corrigir em si mesmas estes hábitos, pois, do contrário, não tem alcance, como
exemplo a ser seguido ou ouvido.
As atitudes que podem
ajudar, por exemplo, aos pais e às demais pessoas que tenham alguém querido sob
suspeita de uso de crack, principalmente, em faixa de idade vulnerável, como
crianças e adolescentes, é procurar manter bom relacionamento com o suposto
viciado que garanta abertura para o diálogo. O melhor é saber de sua vida, com
quem anda acompanhado, os lugares que frequenta, seu desempenho no trabalho ou
na escola. Observe se ocorrem mudanças bruscas no comportamento. A manutenção
do vínculo afetivo é muito importante tanto para a detecção do problema quanto para a solução no tratamento. É
necessário que haja atenção quanto ao ambiente escolar e à vizinhança.
É profícuo orientar
seu filho ou ente querido a afastar-se de pontos de venda de drogas e dos
frequentadores desses locais. Adolescentes comumente apresentam comportamento
destemido e se sentem desafiados a aproximarem-se do perigo para terem a ilusão
de que estão acima do bem e do mal.
Como adulto, é
salutar deixar claro que sua autoridade é fruto não apenas de amor, mas de
capacidade de entender o mundo atual e saber diferenciar o que destrói, em oposição
à sedução do traficante. Os agentes do tráfico procuram ser simpáticos e
amistosos para com sua população-alvo. Ensinam gíria própria e não destoam da
imagem da moda seguida pelo público visado por eles.
Quanto às
possibilidades de tratamento, inicialmente, é necessário fazer uma avaliação do
paciente para saber sobre o efetivo consumo de crack. A partir deste perfil 1,
ele deverá ser encaminhado ao ambiente e ao modelo de atenção adequado. Deve
ser verificado o grau de dependência e o uso nocivo, assim como a intenção
voluntária de busca de ajuda para o tratamento.
É preciso entender
qual o padrão do consumo, que pode oscilar muito, e indicar a gravidade do
quadro em relação a cada usuário de crack. Destarte, são caracterizados três
modos de consumo de crack:
Ø
Baixo
risco: com raros e leves problemas. Isto é excepcional entre usuários de crack,
praticamente inexistente;
Ø
Uso
nocivo ou abuso: que combina baixo consumo com problemas frequentes (observável
em usuários recentes);
Ø
Dependência:
alto consumo com graves problemas (é o perfil 1 do usuário que busca serviço
especializado).
O usuário também deve
ter avaliada a sua disposição para o tratamento. É o que se chama classificar o
“estágio motivacional”, que irá definir as estratégias e atividades para promoção
do tratamento individual.
Dentro dos princípios
para investigação motivacional, o usuário não tem consciência de que precisa
mudar. É resistente à abordagem e à orientação.
Ele reconhece o
problema, aceita abordagem sobre mudança, mas continua “valorizando” e usando
droga. Também reconhece o problema, percebe que não consegue resolver sozinho e
pede ajuda. Essa fase pode ser passageira, daí ser necessário pronto
atendimento quando solicitado pelo indivíduo.
O usuário interrompe
o consumo, inicia tratamento voluntário e precisa ser acompanhado por longo
tempo, mesmo melhorando, pois ainda corre grande risco de recaída, mantendo-se
ambivalente diante da droga.
Na fase da
manutenção, o usuário está em abstinência, com risco de recaída, ainda possível
pela ambivalência de sua relação com a droga e fatores de risco próprios de
cada caso. Pensa nela com frequência. Cuida-se preventivamente do risco de
recaída.
Havendo o retorno ao
consumo, após período longo de abstinência, é importante notar que recair não é
voltar ao zero. É necessária essa percepção, para retornar a recuperação, afim
de que a culpa e a desesperança não destruam o novo empenho de melhora.
Quanto mais pronto e
motivado o individuo, mais objetiva será a proposta terapêutica, enquanto a
situação contrária implicará mais negociação e tempo. Devem ser tratados também
problemas psiquiátricos paralelos ao uso do crack. O uso medicamentoso é
indicado para auxiliar na redução da vontade do uso da substância (supressão da
“fissura”), avaliar os sintomas da abstinência e diminuir, ou mesmo inibir, o
comportamento de busca. O tratamento multidisciplinar é a melhor forma de
intervenção nestes casos e permite ampla às necessidades, principalmente, do
usuário que precisará de abordagens terapêuticas por longo tempo.
A recuperação depende
fundamentalmente do apoio familiar, da comunidade e da persistência da pessoa.
Quanto mais precoce a busca de ajuda, mais provável o sucesso do tratamento.
Este é penoso, com grande sofrimento físico e psicológico, além de, dependendo
do caso, significativa possibilidade de recaídas.
Mesmo o indivíduo
abstinente pensa com freqüência na droga. É preciso tomar isso em consideração,
para não desanimar e ter coragem de continuar.
A ajuda profissional
é indispensável, porém, amor, compreensão e paciência não são apelos
demagógicos; mas, sim, estratégias concretas de ajuda, que qualquer decisão
pode proporcionar ao seu semelhante em risco. Manter-se bem informado e ter boa
vontade são atitudes que podem contribuir muito para o tratamento dos
dependentes químicos.
Não há tratamento
único para o crack. O poder público, o município, deve ter políticas na área da
saúde para prestar atenção integral ao usuário de drogas e às famílias. A
detecção precoce e imediata intervenção são importantes aliados no
enfrentamento da questão. Para qualquer atendimento, deve-se procurar o CAPSad
– Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas ou o Programa Saúde da
Família no município de origem do usuário de drogas.
Autor:
Abel Alves
Fone:
(83) 9802 3208
E-mail:
aiaiaiabelaiai@hotmail.com
Blog: http://abelmetacritica.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário