sexta-feira, 27 de abril de 2012

O CRACK

O uso do crack é um problema social não restrito apenas às metrópoles. Os primeiros relatos sobre o consumo de crack no Brasil surgiram em 1989, entre crianças que viviam nas ruas do centro de São Paulo, um ano antes da primeira apreensão da droga feita pela polícia na cidade. Vinte anos depois do começo da epidemia em São Paulo, o crack migrou para os demais Estados da Federação e o mercado da droga se consolidou em todas as cidades onde existam pessoas com muito, com pouco dinheiro, mas com muita disposição para serem transformadas em lixo social, devido a ser uma droga muito barata.
O crack é uma substância psicoativa euforizante, estimulante, preparada à base da mistura da pasta de cocaína com bicarbonato de sódio. Para a obtenção das pedras de crack também são misturadas à cocaína diversas substâncias tóxicas como gasolina, querosene e até fluido de bateria. A pedra de crack não é solúvel em água e, por isto, não pode ser injetada na veia. Ela é fumada em cachimbos, tubos de PVC ou aquecida em latinhas de refrigerante, cerveja ou similares. Após ser aquecida em temperatura média de 95°C, passa do estado sólido ao de vapor. Quando queimada produz o ruído que lhe deu o nome. Pode ser misturada com maconha e fumada junta.
A droga de uma droga ainda mais devastadora que a droga do crack é a merla, também conhecida como mela, mel ou melado, preparada de forma diversa do crack, apresenta-se sob a forma de uma base e também é fumada. Utilizada predominantemente no Distrito Federal, a merla é extremamente tóxica e acarreta sérias complicações médicas.
Ao ser fumado, o crack é absorvido pelo pulmão e chega ao cérebro em menos de 10 segundos. Após a “pipada” (ato de inalar a fumaça), o usuário sente grande prazer, intensa euforia, sensação de poder, excitação, hiperatividade, insônia, perda de sensação de cansaço e falta de apetite. O uso passa a ser compulsivo, pois o efeito dura apenas de 5 a 10 minutos e a “fissura” (vontade) em usar novamente a droga torna-se incontrolável. Segue-se repentina e profunda depressão e surge desejo intenso de uso repentino e imediato. Assim, serão usadas muitas pedras em seguida para manter o efeito estimulante.
Por ser fumado, o crack se expande pela grande área da superfície do pulmão e é absorvido em grande pela circulação sanguínea. O efeito é rápido e potente; porém, passa depressa, o que leva ao consumo desenfreado.
As consequências físicas do uso do crack em médio e longo prazo são danos ao pulmão, associados a fortes dores no peito, asma e bronquite; aumento da temperatura corporal com risco de causar acidente vascular cerebral; destruição de células cerebrais, neurônios, e degeneração muscular, o que confere aquela aparência esquelética ao usuário frequente, inibição da fome e insônia severa.
Além disso, os materiais utilizados para a confecção dos cachimbos são, muitas vezes, coletados na rua ou no lixo e apresentam iminente risco de contaminação infecciosa, gerando potencial elevação dos níveis de alumínio no sangue, de modo a aumentar os danos no sistema nervoso central. Também são comuns queimaduras labiais, no nariz e nos dedos dos usuários.
Já as consequências psicológicas do uso do crack em médio e longo prazo são, dentre outras, fácil dependência após uso inicial, grande desconforto durante abstinência gerando depressão, ansiedade e agressividade contra terceiros. Há a diminuição do interesse sexual. Como a necessidade não tem lei, a necessidade do uso frequente acarreta delitos, para a obtenção de dinheiro, venda de bens pessoais e familiares, e até prostituição da forma mais degradante como, por exemplo, em muitas vezes, usuários se disponibilizam à prática do sexo oral em terceiros em troca de pedras de crack, tudo para sustentar o vício. A promiscuidade leva a grave risco de se contrair AIDS e outras DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis). O usuário apresenta, com frequência, atitudes bizarras devido ao aparecimento de paranóia (“nóia”), colocando em risco a própria vida e a dos outros.
As consequências sociais do uso do crack em médio e longo prazo são, dentre outras, o abandono do trabalho, dos estudos ou de qualquer outro interesse que não seja a droga, o crack; deterioração das relações familiares, com violência doméstica e frequente abandono do lar; grande possibilidade de envolvimento com criminalidade. A ruptura ou a fragilização das redes de relação social, familiar e de trabalho normalmente leva ao aumento da estigmatização do usuário, agravando sua exclusão social. Também é comum que usuários de crack matem e sejam mortos em função do vício.
Por muito tempo, a dependência química do uso do crack foi considerada uma doença social masculina; aspectos sociais e culturais propiciavam mais acesso masculino às drogas e levavam a crer que eles seriam mais suscetíveis. No entanto, atualmente o consumo de substâncias ilícitas e álcool é indiscriminado mulheres, homens adultos e adolescentes. No caso do cigarro e do crack, implicam-se no uso até mesmo de crianças de várias idades.
Também se acreditava anteriormente que seu uso era mais intenso nas classes de baixa renda, porém, hoje, a utilização do crack já ocorre em todas as classes sociais. As populações mais vulneráveis, entre elas, moradores de rua, crianças e adolescentes constituem importante grupo de risco. Destarte, os sinais para reconhecimento do uso de crack são:
Ø Abandono de interesses sociais não ligados ao consumo e compra de drogas;
Ø Mudança de companhias e de amigos não ligados ao consumo de entorpecentes e drogas afins;
Ø Visível mudança física, perda de pelos, pele ressecada, envelhecimento precoce;
Ø Comportamento deprimido, cansaço, descuido na aparência, irritação e agressividade com terceiros por palavras e atitudes;
Ø Dificuldades ou abandono escolar, perda de interesse pelo trabalho ou hábitos anteriores ao uso do crack;
Ø Mudança de hábitos alimentares, falta de apetite, emagrecimento e insônia severa;
Ø Atitudes suspeitas, como telefonar para pessoas desconhecidas dos familiares com frequência e “sumir de casa” constantemente sem avisar;
Ø Extorsão de dinheiro da família com ferocidade;
Ø Mentiras freqüentes, recusa em explicar mudança de hábitos ou comportamentos inadequados.
O uso do crack pode ser associado ao uso de outras drogas. É comum que usuários de crack precisem de outras substâncias psicoativas no período das chamadas “brisas”, ou seja, no período imediatamente após o uso do crack. Nesse momento, acabando o efeito estimulante, há grande mal-estar, podendo ser usados álcool, maconha ou outras substâncias para redução dessa péssima sensação.
O sofrimento psíquico de corrente do uso do crack induz o usuário a múltiplas dependências.
Em consonância com a tragedia pessoal de cada um, há atitudes que podem agravar ainda mais a situação do usuário de crack como, por exemplo, no início do uso da droga, o indivíduo ilude-se, imaginando que “com ele vai ser diferente”. Que “não vai se tornar um viciado”. Mesmo quando progride para a dependência, continua acreditando que “para quando quiser” e não percebe que, na realidade, não quer parar nunca. Pelo contrário, quer sempre mais e mais mergulhar no abismo sem fundo do crack.
A atitude de negação da doença por parte da família também é muito nociva. A família não deve sustentar mentiras para si mesma, “amenizando” a gravidade da situação e acreditando que o usuário deixará de usar o crack com o tempo ou sem ajuda de terceiros.
Pessoas que são dependentes de álcool ou tabaco, apesar de serem drogas lícitas, devem entender que, para criticar o outro por se tornar dependente do crack, precisa antes corrigir em si mesmas estes hábitos, pois, do contrário, não tem alcance, como exemplo a ser seguido ou ouvido.
As atitudes que podem ajudar, por exemplo, aos pais e às demais pessoas que tenham alguém querido sob suspeita de uso de crack, principalmente, em faixa de idade vulnerável, como crianças e adolescentes, é procurar manter bom relacionamento com o suposto viciado que garanta abertura para o diálogo. O melhor é saber de sua vida, com quem anda acompanhado, os lugares que frequenta, seu desempenho no trabalho ou na escola. Observe se ocorrem mudanças bruscas no comportamento. A manutenção do vínculo afetivo é muito importante tanto para a detecção do problema  quanto para a solução no tratamento. É necessário que haja atenção quanto ao ambiente escolar e à vizinhança.
É profícuo orientar seu filho ou ente querido a afastar-se de pontos de venda de drogas e dos frequentadores desses locais. Adolescentes comumente apresentam comportamento destemido e se sentem desafiados a aproximarem-se do perigo para terem a ilusão de que estão acima do bem e do mal.
Como adulto, é salutar deixar claro que sua autoridade é fruto não apenas de amor, mas de capacidade de entender o mundo atual e saber diferenciar o que destrói, em oposição à sedução do traficante. Os agentes do tráfico procuram ser simpáticos e amistosos para com sua população-alvo. Ensinam gíria própria e não destoam da imagem da moda seguida pelo público visado por eles.
Quanto às possibilidades de tratamento, inicialmente, é necessário fazer uma avaliação do paciente para saber sobre o efetivo consumo de crack. A partir deste perfil 1, ele deverá ser encaminhado ao ambiente e ao modelo de atenção adequado. Deve ser verificado o grau de dependência e o uso nocivo, assim como a intenção voluntária de busca de ajuda para o tratamento.
É preciso entender qual o padrão do consumo, que pode oscilar muito, e indicar a gravidade do quadro em relação a cada usuário de crack. Destarte, são caracterizados três modos de consumo de crack:
Ø Baixo risco: com raros e leves problemas. Isto é excepcional entre usuários de crack, praticamente inexistente;
Ø Uso nocivo ou abuso: que combina baixo consumo com problemas frequentes (observável em usuários recentes);
Ø Dependência: alto consumo com graves problemas (é o perfil 1 do usuário que busca serviço especializado).
O usuário também deve ter avaliada a sua disposição para o tratamento. É o que se chama classificar o “estágio motivacional”, que irá definir as estratégias e atividades para promoção do tratamento individual.
Dentro dos princípios para investigação motivacional, o usuário não tem consciência de que precisa mudar. É resistente à abordagem e à orientação.
Ele reconhece o problema, aceita abordagem sobre mudança, mas continua “valorizando” e usando droga. Também reconhece o problema, percebe que não consegue resolver sozinho e pede ajuda. Essa fase pode ser passageira, daí ser necessário pronto atendimento quando solicitado pelo indivíduo.
O usuário interrompe o consumo, inicia tratamento voluntário e precisa ser acompanhado por longo tempo, mesmo melhorando, pois ainda corre grande risco de recaída, mantendo-se ambivalente diante da droga.
Na fase da manutenção, o usuário está em abstinência, com risco de recaída, ainda possível pela ambivalência de sua relação com a droga e fatores de risco próprios de cada caso. Pensa nela com frequência. Cuida-se preventivamente do risco de recaída.
Havendo o retorno ao consumo, após período longo de abstinência, é importante notar que recair não é voltar ao zero. É necessária essa percepção, para retornar a recuperação, afim de que a culpa e a desesperança não destruam o novo empenho de melhora.
Quanto mais pronto e motivado o individuo, mais objetiva será a proposta terapêutica, enquanto a situação contrária implicará mais negociação e tempo. Devem ser tratados também problemas psiquiátricos paralelos ao uso do crack. O uso medicamentoso é indicado para auxiliar na redução da vontade do uso da substância (supressão da “fissura”), avaliar os sintomas da abstinência e diminuir, ou mesmo inibir, o comportamento de busca. O tratamento multidisciplinar é a melhor forma de intervenção nestes casos e permite ampla às necessidades, principalmente, do usuário que precisará de abordagens terapêuticas por longo tempo.
A recuperação depende fundamentalmente do apoio familiar, da comunidade e da persistência da pessoa. Quanto mais precoce a busca de ajuda, mais provável o sucesso do tratamento. Este é penoso, com grande sofrimento físico e psicológico, além de, dependendo do caso, significativa possibilidade de recaídas.
Mesmo o indivíduo abstinente pensa com freqüência na droga. É preciso tomar isso em consideração, para não desanimar e ter coragem de continuar.
A ajuda profissional é indispensável, porém, amor, compreensão e paciência não são apelos demagógicos; mas, sim, estratégias concretas de ajuda, que qualquer decisão pode proporcionar ao seu semelhante em risco. Manter-se bem informado e ter boa vontade são atitudes que podem contribuir muito para o tratamento dos dependentes químicos.
Não há tratamento único para o crack. O poder público, o município, deve ter políticas na área da saúde para prestar atenção integral ao usuário de drogas e às famílias. A detecção precoce e imediata intervenção são importantes aliados no enfrentamento da questão. Para qualquer atendimento, deve-se procurar o CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas ou o Programa Saúde da Família no município de origem do usuário de drogas.

Autor: Abel Alves
Fone: (83) 9802 3208
E-mail: aiaiaiabelaiai@hotmail.com
Blog: http://abelmetacritica.blogspot.com

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